terça-feira, 23 de junho de 2009

Arquiteto em Angola

Gláucio Gonçalves, arquiteto e fundador do EB-A - Espaço Brasileiro de Arquitetura, esteve recentemente em Angola onde proferiu uma série de palestras, sempre com o enfoque na arquitetura sustentável.

De lá ele nos traz as impressões transcritas abaixo.


Gláucio
, paralelamente a seu trabalho como arquiteto e designer, ministra aulas do curso Técnico em Design de Interiores na ABRA-Vila Mariana - escola mantida e gerenciada pela Gare Cultural.




"Angola, além do petróleo e do diamante"
Texto e imagens Gláucio Gonçalves

A guerra civil em Angola durou aproximadamente 27 anos e causou grandes danos às instituições políticas e sociais do país. Assim, as nações Unidas estimam em 1,8 milhões o número de pessoas internamente deslocadas, enquanto que o número aproximado de pessoas atingidas pela guerra chega os quatro milhões. Hoje, após a batalha, as condições de vida cotidiana em todo o país, principalmente em Luanda, espelham o total colapso que vive hoje a capital de Angola.

O que mais impressiona é a quantidade de “musseques” nos arredores da cidade. Este mar de favelas cresceu desordenadamente e sem o mínimo de condições de salubridade durante os anos da guerra, à medida que a população das províncias procuravam refúgios dos combates e da fome na grande cidade.

Nos dias de hoje, caminhar por Luanda, pode ser uma experiência angustiante. A maior dificuldade para quem circula a pé é atravessar as ruas e é inevitável pisar em poças de esgoto a céu aberto, além dos carros que estacionam sobre as calçadas, o que torna quase impossível traçar um caminho sem que se tenha que usar a rua para andar.
No trânsito impera a lei do mais forte. Não há turistas na cidade e todos que trabalham em empresas instaladas em Luanda possuem um carro próprio pois, praticamente, não há transporte público e nem táxis na cidade. Esse caos faz com que um dos principais meios de transporte da cidade sejam os famosos “candongueiros” com suas peruas Hiace de cor azul e branca e motoristas que correm como loucos pelas ruas, servindo a bairros periféricos não cobertos pelo transporte público.


Apesar de ser um dos países mais pobres do mundo, ninguém se surpreende com modelos de carros top de linha que circulam pelas ruas de Luanda e com casas em bairros da periferia, como no bairro do Camama. Lá a energia elétrica é fornecida por meio de geradores e a água por tanques, que são bombeados por eletro bombas para o abastecimento. A maioria destas casas possui ar condicionado em todos os ambientes, inclusive cozinha, TVs de última tecnologia espalhadas pelos cômodos e todo o conforto que muitas casas de classe média no Brasil não têm.
Porém, mesmo sendo o petróleo uma das fontes de riqueza do país, leva-se em média até duas horas para abastecer um carro. Por força da comercialização do petróleo e o diamante, Luanda é uma das cidades mais caras do mundo, onde não se almoça por menos de 50 dólares por pessoa em um restaurante, mesmo que tipicamente angolano.

Todavia, o surto de construção civil que Angola vive atualmente vai transformar totalmente a paisagem da capital. Porém, está trazendo algumas conseqüências muito sérias. Devido à entrada de empresas chinesas, que trouxeram milhares de trabalhadores, na seqüência do empréstimo de dois milhões de dólares concedido ao governo angolano, houve um certo impacto devido ao custo reduzido de mão de obra, mas, com uma fraca qualidade de execução. Mesmo assim, o mercado imobiliário em Angola, principalmente em Luanda, é extremamente caro.













Em função deste grande caos que vive hoje Luanda, a construção civil passa por um momento de total crescimento e ao mesmo tempo de uma supervalorização junto ao mercado imobiliário. O valor médio de venda de um empreendimento varia muito em função de cada bairro. Por exemplo, uma casa assobradada de três dormitórios, com uma suíte, no bairro Nova Vida, de aproximadamente 160 metros quadrados, pode ser vendida a US$ 900 mil e ser alugada a US$ 10 mil por mês, com um pagamento antecipado de seis meses.
O custo para execução de uma obra varia muito devido ao tipo de projeto, materiais a serem utilizados e, principalmente, por tudo ser importado. E isso se agrava por conta de outros aspectos, como os congestionamentos, demora para liberação de materiais, entre outros.

Por outro lado, os angolanos gostam muito da arquitetura brasileira, mesmo porque Angola está no hemisfério Sul, no paralelo de Recife, o que mostra uma realidade muito próxima à nossa. O País possui um grande déficit habitacional como ocorre no Brasil, porém devido a esse crescimento desordenado e rápido, uma questão extremamente importante está sendo deixada de lado: a sustentabilidade. Este seria o momento em que não somente as habitações populares, mas também os arranha-céus que estão sendo construídos pela cidade, contemplassem estes aspectos para que todas essas novas obras nascessem de forma correta e servissem como referência para todos os paises do mundo.

É importante abordar o desenvolvimento sustentável na construção civil e tornar imprescindível a utilização de aspectos mínimos para a sobrevivência, não somente para as empresas sob o ponto de vista do mercado, como também, do compromisso social e de toda a humanidade. Assim todos passariam a usufruir recursos simples e urgentes, o que dará uma nova realidade para a arquitetura e para a humanidade nos próximos anos.
Angola pode ser protagonista deste grande cenário e transformar a sustentabilidade em uma escola de vida para todo o continente africano e para o mundo. Isso fará com que nossos ecossistemas entendam que estamos trabalhando em sua direção e não contra eles e, principalmente, para que nossas próximas gerações possam desfrutar de todas as belezas naturais que as maravilhosas praias de Angola proporcionam."

Para contatos com Gláucio Gonçalves, visite o site da EB-A - Espaço Brasileiro de Arquitetura

6 comentários:

marilia barros disse...

O olhar clínico desta vivência e experiência transposto em palavras...
A Angola retratada por um outro ângulo.
Belo registro, Glaucio!
Bom que tenha compartilhado conosco!

Elaine Benassi disse...

Estamos no momento de questinar o que realmente é riqueza, o tem valor pois a Terra clama por sustentabilidade!
Fico feliz por ter como amigo alguém que esta desperto para temas tão relevantes!

Carmen Chaves disse...

Que bela reportagem, gostei muito como você levantou os diversos aspectos de Luanda. O que mais admiro no artigo é a sua preocupação com a sustentabilidade, seria excelente se todos os envolvidos na construção de imóveis tivessem esse ponto como alvo principal.
Espero que mesmo com todas as dificuldades que esse assunto enfrenta, você não esmoreça e continue batalhando por ele.

Unknown disse...

Caro Gláucio

Estou trabalhando em Luanda, após 3meses numa Província, e desde 1990sempre retorno a Angola para algum trabalho de reconstrução, acompanhando de longe o longo drama da guerra angolana. O que emociona é a rápida renovação dos proncipais centros urbanos e a lenta recupareção do meio rural, eternamente desprezado em função da economia priorizada do petróleo, mineração e da pesca. A arqutetura do aço e do vidro se espalha rápidamente, mas a nostalgia da arquitetura colonial encanta a qualquer um, apesar dos esgotos escorrendo das varandas. Eu sempre ando a pé nesta cidade, e sempre descubro detalhes arquitetônicos impressionantemente belos, sinal da presença de artesãos qualificados que vieram de além-mar e formaram escolas. Agora quem vem são os chineses e outras empresas extrangeiras com suas gruas gigantescas a espelhar as fachadas da paisagem urbana secular. Espero que dure a paz e que não se quebrem os espelhos. Viva o ferro forjado!!

Ivan Franciso disse...

Boa noite Glaucio. Sou angolano residente atualmente em Brasilia estudante de engenharia elétrica.
Primeiramente parabenizo-lhe pelo blog, estou por um lado muito feliz pela forma em que abordou Angola nesta matéria e com sua preocupação com aspecto da sustentabilidade. Por outro lado como angolano sinto-me triste pela triste e dura realidade do meu país que cresce de maneira rápida e errada. Infelizmente o caos predomina em Luanda. Espero em breve poder contribuir com que aprendo aqui nesta cidade muito bem organizada para o desenvolvimento sustentável do meu país.
Abraços! Obrigado por compartilhar suas experiencias.

Bráulio disse...

Olá caro Gláucio,
parabéns por este artigo! Sou Angolano, estudo arquitetura e urbanismo no Brasil, moro em Belo Horizonte "linda B.H!" espero algum dia contribuir para o desenvolvimento do meu país, com os ensinamentos que tenho adquiro nesse país, afinal de contas Angola tem crescido bastante e se desenvolvendo pouco, cabe a nos (angolanos) no exterior lutar para que um dia esse quadro mude e fossamos de fato desfrutar de coisas boas que o país e o seu povo tem para oferecer, que não é só petróleo e diamante, mas também alegria, respeito ao próximo, belezas naturais, boa comida, etc.